Seguidores

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Trágica.3


Ontem fui assistir Trágica.3.
Uma peça sobre mulheres e que entrelaça três tramas trágicas.
Na verdade, a palavra entrelaçar é bem por minha conta e o “trava língua” também.
A histórias delas, na peça, não se entrelaça. Ou será que se entrelaça?

Histórias de mulheres, três mulheres trágicas.
Sua maior tragédia foi o Amor.
Amor ao irmão, ao pai e a seu homem.
O amor, essa lança que movimenta.
Amor, combustível de vida e morte.
Amor que dignifica, significa e ressignifica.

Foi por amor que aquelas mulheres foram até as últimas consequências.
E fizeram rimar a dor com esse sentimento.
Foi para reparar uma injustiça,
Reparar uma traição e até,
Para reparar a própria culpa que essas mulheres entrelaçaram amor e dor e se tornaram agentes do destino, autoras de sua história: uma história trágica.
Antígona, Electra e Medéia.


E no espelho dessas mulheres reflito sobre as paixões que nos movem.
É pensando sobre nossos amores, nossas dores que vejo o quanto são atuais, eternas.

Que mulher não convive com o amor que transborda por seus entes queridos e que encontra limitações nas injustiças da vida ou da sorte?
Que mulher não é capaz de amar sem medida, amar alguém mais do que ama a si mesma e, ao ser traída, aviltada, renegada,  experimenta em si mesma emoções que fariam corar o próprio Satã? Se é que ele existe...

A realidade dessas heroínas gregas, trágicas, se aproxima da nossa realidade de mulher, negra.
Da nossa tarefa de ser forte pelo outro, pela outra, por tudo, menos por si mesma. 
É essa mulher que é capaz de amar, sofrer, matar, morrer e, principalmente, se anular para que outros sejam ou porque outros não foram. 
É a que exerce a dura tarefa de significar a si mesma através da tragédia do outro.
É ela que esquece que deve “balançar sob a luz do sol”* e fazer da melancolia, uma construção possível.
É a mulher que carrega em si a dor do mundo e que pretende repara-lo.
E quem não conhece essa mulher? Ela pode estar ao nosso lado, pode estar dentro de nós.

Antígona, Electra e Medéia

Três mulheres,
Três amores,
Três possibilidades.

E essa dor que nos parece tão distante, tão fantasiosa, ainda comunica muito de nossas dores cotidianas.
No enfrentamento da vida, na posição que ainda ocupamos,
Na falta de palavra dada a esses silêncios que se mascaram em fortaleza e que se traduzem em sombras.
Quando não a sombra de uma tragédia, a sombra da anulação de si mesma.

Em homenagem a tudo isso que Trágica.3 me fez sentir e pensar, que desejo a todas nós, mulheres, que saibamos encontrar um lugar para dor que não seja nossa própria morte.

Que possamos compartilhar dores, que possamos construir e reconstruir com elas.
Que sejamos nós!
E como nós mesmas e como nó que enlaça, formemos uma rede de sustenta –ação que não nos permita cair no abismo que nos sepulta vivas e nos adoece.
Que possamos contar umas com as outras!
E que o Teatro continue nos inquietando, nos fazendo sentir e pensar.

*alusão ao texto de Opal Palmer ADISA publicado no livro A Saúde das Mulheres Negras






Nenhum comentário: