O texto não é meu, é de minha irmã querida Débora Lopes Moreira, mulher negra e pensadora sensível dessas e outras questões da vida.
Ago minha irmã! Equívocos acontecem e, na minha opinião, o
deputado Jean W equivocou-se drasticamente ao defender a proposta da série
escrita por M Falabella, Sexo & as Negas. Ao acompanhar minimamente o
processo de emancipação e afirmação sócio-político e econômico-cultural do povo
negro - sobretudo a luta da mulher negra - não resta outra alternativa senão
rejeitar o anacronismo, mal gosto e
descabido argumento que sustenta a referida série. Pois ela fere sim a
luta libertária contra os grilhões dos conhecidos estereótipos, contra a guetização, a redução cultural, a
banalização e vulgarização das relações e valores afetivos da mulher negra.
Nany Kipenzi Vieira está coberta de razão em sua crítica de combate a esse
tipo de produção que, pelo fato de oferecer trabalho a atores e atrizes negras,
não isenta o empregador de estar assumindo uma postura racista de manutenção e
fixação de modelos de comportamento cunhados muito mais pela marginalização
imposta pelos opressores do que pela
auto-concepção dos oprimidos. Auto-concepção esta que lança as mulheres negras
à luta contra tais modelos. Não basta estar na TV. É preciso mudar a forma de
estar na TV. Afirmar o papel sócio-político-cultural que servirá de espelho
para as gerações em formação, que já sinalizam a mudança dos tempos, desejando
se refletir em outros modelos distantes das velhas reproduções de clichês
atrelados tão somente aos apelos carnais, apresentados na série com larga
exploração do corpo feminino negro. É oportuna a analogia com o fato de estar
nos livros didáticos de história da nossa infância. Nosso povo negro em certos
momentos aparece lá, mas de que forma? Servil, indolente, preguiçoso,
desprovido de saber, cultura, intelecto; sem nenhum reconhecimento de valor
político-filosófico-cultural, enquanto partícipe que foi das
lutas libertárias, por direitos e cidadania, que fustigaram o Brasil desde o
seu “descobrimento”. Foram necessárias décadas de lutas e embates para que
esses livros didáticos começassem a rever como o valor e a participação política – referenciadas nos bens culturais negro-africanos em solo
brasileiro - implementaram oposição,
resistência , bem como imprimiram nesta terra a herança libertária, igualitária
e inclusiva como proposta de construção de sociedade. Exemplos dessa ética de
afirmação da liberdade, justiça e igualdade que o povo negro defendeu em suas ações não faltam.
Estivemos presente em todas as lutas que enfrentaram a desprezível ideia de
supremacia de uns sobre os outros, para impor estratégias de dominação e exploração,
abominável marca da colonização escravagista que tanto prejuízo legou às
gerações negras até nossos dias. Nossos
antepassados elaboraram instituições políticas quilombolas no período do
império, participaram ativamente das revoluções republicanas, lutaram pelo
direito à cidadania no estado novo , às liberdades e direito de expressão
durante a ditadura, abraçando na atualidade os grandes embates que asseguram
diretos e acesso aos bens sócio-político-econômico-culturais que ajudamos a
construir ao longo da história do país. O povo negro nunca se furtou de lutar por
ideais libertários e para tanto desenvolveu estratégias de coesão e
autoproteção fundadas nos princípios constituintes do ethos ancestral
negro-africano que em terras brasileiras desdobraram-se em
Comunidades-Terreiros, na Arte da Capoeira,nos Saberes das Escolas de Samba e
outras modalidades culturais que expressam a riqueza das nossas tradições
afro-brasileiras. Assim como nos livros didáticos, é necessário rever a forma
com que a mulher negra é sistematicamente apresentada na TV; na maioria das
vezes submissa, subalterna ou como
objeto para o consumo apelativo que o poder midiático racista – e ávido pela
venda do produto lascivo – reserva para ela na TV brasileira. Figuras como as “Mulatas
do Sargentelli”, “Globeleza” e toda uma gama de imagens que deram suporte à
exploração do corpo negro feminino - apresentando-o como objeto de consumo para
turistas e burguesia nacional e criando pseudomercados de trabalho a suscitar
forte alienação, atualmente ( pela incansável luta do movimento das mulheres
negras ) - devem perder espaço para uma parcela significativa da população
negra que, de posse da consciência do seu valor, sua competência e
sabedora da dívida histórica da qual
somos credores exige visualizar a verdadeira igualdade social, através de novos
modelos de representação sócio-político-econômico-cultural negra em processo de ascensão no interior da
sociedade brasileira, mas que “estranhamente” não tem visibilidade no teatro,
cinema, sobretudo na teledramaturgia. Por que não apresentar nas novelas e
séries, com mais frequência, também, pessoas negras bem sucedidas ,atuando
normalmente em posições avançadas dentro do tecido social brasileiro? Parece
que a tática é: não naturalizar através da grande mídia a imagem do negro em
posições estratégicas que conferem poder, para que o grande contingente da população
negra continue se vendo em posições subalternas e não venha disputar espaço e
status nas esferas avançadas de poder. Em resumo, a invisibilidade das
conquistas positivas e a visibilidade da condição servil-exploratória, onde a
grande mídia reserva as cotas para atuação mínima da população negra – “a parte
que te cabe neste latifúndio” – expõem um racismo estrutural e institucional,
cujo temor é ter de compartilhar o poder.
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