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domingo, 30 de novembro de 2014

Mas por que ainda falar sobre Sexo e as Nêgas?

Esse é um texto cuidadoso de resposta a algumas inquietações que escrevi sobre o posicionamento do deputado Jean Wyllys que endossou o seriado e defendeu o criador da série.
O texto não é meu, é de minha irmã querida Débora Lopes Moreira, mulher negra e pensadora sensível dessas e outras questões da vida.

Ago minha irmã! Equívocos acontecem e, na minha opinião, o deputado Jean W equivocou-se drasticamente ao defender a proposta da série escrita por M Falabella, Sexo & as Negas. Ao acompanhar minimamente o processo de emancipação e afirmação sócio-político e econômico-cultural do povo negro - sobretudo a luta da mulher negra - não resta outra alternativa senão rejeitar o anacronismo, mal gosto e  descabido argumento que sustenta a referida série. Pois ela fere sim a luta libertária contra os grilhões dos conhecidos estereótipos,  contra a guetização, a redução cultural, a banalização e vulgarização das relações e valores afetivos da mulher negra. Nany Kipenzi Vieira está coberta de razão em sua crítica de combate a esse tipo de produção que, pelo fato de oferecer trabalho a atores e atrizes negras, não isenta o empregador de estar assumindo uma postura racista de manutenção e fixação de modelos de comportamento cunhados muito mais pela marginalização imposta pelos  opressores do que pela auto-concepção dos oprimidos. Auto-concepção esta que lança as mulheres negras à luta contra tais modelos. Não basta estar na TV. É preciso mudar a forma de estar na TV. Afirmar o papel sócio-político-cultural que servirá de espelho para as gerações em formação, que já sinalizam a mudança dos tempos, desejando se refletir em outros modelos distantes das velhas reproduções de clichês atrelados tão somente aos apelos carnais, apresentados na série com larga exploração do corpo feminino negro. É oportuna a analogia com o fato de estar nos livros didáticos de história da nossa infância. Nosso povo negro em certos momentos aparece lá, mas de que forma? Servil, indolente, preguiçoso, desprovido de saber, cultura, intelecto; sem nenhum reconhecimento de valor político-filosófico-cultural, enquanto partícipe que  foi  das lutas libertárias, por direitos e cidadania, que fustigaram o Brasil desde o seu “descobrimento”. Foram necessárias décadas de lutas e embates para que esses livros didáticos começassem a rever como o valor  e a participação política – referenciadas  nos bens culturais negro-africanos em solo brasileiro - implementaram  oposição, resistência , bem como imprimiram nesta terra a herança libertária, igualitária e inclusiva como proposta de construção de sociedade. Exemplos dessa ética de afirmação da liberdade, justiça e igualdade que o  povo negro defendeu em suas ações não faltam. Estivemos presente em todas as lutas que enfrentaram a desprezível ideia de supremacia de uns sobre os outros, para impor estratégias de dominação e exploração, abominável marca da colonização escravagista que tanto prejuízo legou às gerações negras até nossos dias.  Nossos antepassados elaboraram instituições políticas quilombolas no período do império, participaram ativamente das revoluções republicanas, lutaram pelo direito à cidadania no estado novo , às liberdades e direito de expressão durante a ditadura, abraçando na atualidade os grandes embates que asseguram diretos e acesso aos bens sócio-político-econômico-culturais que ajudamos a construir ao longo da história do país. O povo negro nunca se furtou de lutar por ideais libertários e para tanto desenvolveu estratégias de coesão e autoproteção fundadas nos princípios constituintes do ethos ancestral negro-africano que em terras brasileiras desdobraram-se em Comunidades-Terreiros, na Arte da Capoeira,nos Saberes das Escolas de Samba e outras modalidades culturais que expressam a riqueza das nossas tradições afro-brasileiras. Assim como nos livros didáticos, é necessário rever a forma com que a mulher negra é sistematicamente apresentada na TV; na maioria das vezes  submissa, subalterna ou como objeto para o consumo apelativo que o poder midiático racista – e ávido pela venda do produto lascivo – reserva para ela na TV brasileira. Figuras como as “Mulatas do Sargentelli”, “Globeleza” e toda uma gama de imagens que deram suporte à exploração do corpo negro feminino  -  apresentando-o como objeto de consumo para turistas e burguesia nacional e criando pseudomercados de trabalho a suscitar forte alienação, atualmente ( pela incansável luta do movimento das mulheres negras ) - devem perder espaço para uma parcela significativa da população negra que, de posse da consciência do seu valor, sua competência e sabedora  da dívida histórica da qual somos credores exige visualizar a verdadeira igualdade social, através de novos modelos de representação sócio-político-econômico-cultural  negra em processo de ascensão no interior da sociedade brasileira, mas que “estranhamente” não tem visibilidade no teatro, cinema, sobretudo na teledramaturgia. Por que não apresentar nas novelas e séries, com mais frequência, também,  pessoas negras bem sucedidas ,atuando normalmente em posições avançadas dentro do tecido social brasileiro? Parece que a tática é: não naturalizar através da grande mídia a imagem do negro em posições estratégicas que conferem poder,  para que o grande contingente da população negra continue se vendo em posições subalternas e não venha disputar espaço e status nas esferas avançadas de poder. Em resumo, a invisibilidade das conquistas positivas e a visibilidade da condição servil-exploratória, onde a grande mídia reserva as cotas para atuação mínima da população negra – “a parte que te cabe neste latifúndio” – expõem um racismo estrutural e institucional, cujo temor é ter de compartilhar o poder.

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