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terça-feira, 3 de março de 2015

Por nós _ Eu e a rede

Ainda bem que me tornei uma mulher ciente do meu lugar no mundo antes de assumir meu cabelo lindo e crespo.
Ainda bem que não o fiz por modismo, mas por convicção.

Ainda bem que afirmar uma estética e um pensamento negro fazem parte de um caminho trilhado a cada passo e são parte de um resgate profundo. Resgate de uma história da qual fui usurpada desde que nasci por conta da negação na sociedade do lugar e participação negra na construção desse país. Idéia esta reforçada pela ausência dos conteúdos sobre história afrobrasileira na escola e também  pela ausência de alunos negros nas escolas onde estudei.

Ainda bem que me reuni com minha consciência de ser mulher negra antes de tudo que viria quando eu realmente me re-integrasse a minha essência.
Antes eu costurei a alma, reuni os fragmentos daquilo que foi dividido pelo racismo que habita no coração de cada pessoa, de todas as pessoas, inclusive que habitava em mim.

Ainda bem que aprendi a entender o que se esconde por trás da palavra “exótica” quando a mim se referem.
E entendi que eufemismos tentam camuflar a rejeição, a incompreensão e a dureza que tenta me roubar o direito de ser bela.

Ainda bem que a estrada que me trouxe até esse momento foi de transição, resgate, luta e que consegui rejeitar o lugar de “gostosa”, preferindo ser linda.
Eu não quero ser só gostosa, nem tampouco sou exótica, sou apenas eu.  Com minhas marcas, minha trajetória e beleza. Tenho gostos, compromissos e pensamento, não estou à margem de padrões, eu quero que os padrões se explodam, quero viver e ser.

E ainda bem que antes de me resignar com uma vida “mais ou menos”, de alguém que acredita que deve suportar migalhas e cacos, de alguém que passa a vida fazendo mosaicos com o que resta da bondade ou maldade alheia, eu aprendi a ser Rainha.

Trinta e quatro anos de trajetória, de vida, de angústias, de choro contido, de sorriso abafado e temente de que a felicidade logo acabasse na próxima tempestade.
Trinta e quatro anos de muito aprendizado e enfim o momento de corte, de libertação, de integração do discurso com a prática, com a imagem, somente aos 34, mas, felizmente, com o alicerce necessário.

Hoje aos 35, a vida continua e a cada dia uma luta diferente, os baques continuam vindo, assim como sempre vieram, às vezes vêm de quem mais amamos, mas eu aprendi e ainda bem que aprendi.
A dor não me captura por mais de dois dias ou duas horas, porque hoje Eu Sou com muitas e essa estética/ética me impulsiona a ser mais Eu, mais Elas. Com o aprendizado de todas as mulheres que vieram antes de mim e que continuam em mim, em todas nós.

É por mim, por vocês e por elas que aprendi e continuarei aprendendo para que possamos ser e apenas ser nós mesmas.

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